segunda-feira, novembro 29, 2004

Cúmplices

A noite vem às vezes tão perdida
e quase nada parece bater certo
há qualquer coisa em nos inquieta e ferida
e tudo que era fundo fica perto

nem sempre o chão da alma é seguro
nem sempre o tempo cura qualquer dor
e o sabor a fim da mar que vem do escuro
é tantas vezes o que resta do calor

se fosse a tua pela
se tu fosses o meu caminho
se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho

trocamos as palavras mais escondidas
e só a noite arranca sem doer
seremos cúmplices o resto da vida
ou talvez só até amanhecer

fica tão fácil entregar a alma
a quem nos traga um sopro do deserto
olhar onde a distância nunca acalma
esperando o que vier de peito aberto

se fosse a tua pela
se tu fosses o meu caminho
se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho

roubado daqui

terça-feira, novembro 23, 2004

Verde Nuclear

Polémica internacional sobre as vantagens ecológicas da energia atómica

Um novo debate cientifico volta a lançar a questão das centrais atómicas. Muitos especialistas defendem a energia nuclear como sendo a alternativa mais segura, eficaz e ecológica para satisfazer as necessidades de electricidade e evitar o aquecimento global da atmosfera.

in “Super Interessante”

THE MANCHURIAN CANDIDATE

Há duas ou três semanas, fui ver o filme a que os portugueses - com autoridade na matéria - deram o título O CANDIDATO NATURAL. Nunca percebi bem o critério destas traduções, quem decide o quê, quem acha porque sim e porque também. Frequentemente sou tentada a pensar que se muda o título por um mais atractivo, que "por estar mais próximo de nós" possa contribuir para engrossar o volume de venda de bilhetes. Outras, nem isso penso.
The leading actors - Merryl Streep e Denzel Washington - são o garante do cartaz, assim como outros actores, em papeis secundários, mas com excelentes interpretações.
O plot, dá que pensar. É controverso. Mostra-nos realidades a anos-luz da nossa realidade de cidadãos comuns. E deixa-nos receios, dúvidas e interrogações.

segunda-feira, novembro 15, 2004

A Vedação

Trata a história de uma grande caminhada. O caminho para a liberdade, percorrido com a força do espírito contra todas as adversidades.
Filme muito bem realizado, baseado numa história verídica, com pormenores que transportam o espectador para dentro do filme.
Todo o conjunto de sensações visuais são completadas, de uma forma genial, com uma banda sonora composta por Peter Gabriel.

Quantos de nós não estão a par do que se passa ou passou, em certas partes do mundo, só porque nunca ninguém “falou” sobre isso?
É o caso deste filme. O argumento retrata a realidade vivida pelo povo Aborígene na Austrália dos anos 30. Situação semelhante ao que aconteceu um pouco por todas terras onde o Branco pisou, a subjugação dos Povos Nativos, consequente destruição e perda de identidade, sempre com a desculpa de que só querem ajudar!!!

A história do filme começa com as consequências de uma lei, emitida pelo Branco, onde qualquer criança que não fosse de raça pura, chamadas Mestiças, poderiam ser retiradas de suas casas e levadas para colónias onde eram treinadas para todo o tipo de trabalhos de servidão. (aos Brancos como é óbvio!!)

Qual a justificação?
Simples: evitar a proliferação de uma terceira raça!!!
Argumento: defender os nativos contra eles próprios!!

Não mencionado mas implícito, qual o motivo que leva a que surjam crianças Mestiças?
Simples: com a chegada e domínio do Branco, realocação de tribos em reservas, o bom do Branco, entre muitas outras atrocidades, começa a saciar as suas bestiais necessidades nas mulheres Nativas.
Consequência: destruição da raça, orgulho e cultura ancestrais!
Argumento: salvá-los deles próprios!!!

Mas o que é que isto tem a ver com caminhadas? Perguntam vocês.
O filme baseia-se na fuga de três crianças Mestiças de uma das colónias, empreendendo uma caminhada de 2400 kilómetros.
Uma aventura pela liberdade para voltarem para casa.

Todas essas crianças foram chamadas de Gerações Roubadas (Stolen Generations).

Só isso? Bem pelo contrário!!
Vejam o filme!!!!

sábado, novembro 13, 2004

TROY

Para quem gosta do género será um bom filme.

Em jeito e dimensão de épico, Wolfgang tenta uma abordagem da “Ilíada” de Homero.
Historiadores cheguem-se à frente para julgar os factos, pois essa função não me compete.
É um filme bom de ver e intenso, na minha opinião melhor que outros do género, como p.e. “O Gladiador”, no qual o factor “herói americano” impregna todo o argumento! Neste as “americanisses” ficaram de fora!

Tecnicamente é um bom filme! Utiliza o melhor dos nossos dias em técnicas de efeitos especiais, criando um ambiente bastante real, o qual nos faz entrar na história e esquecer o resto.
Esquecendo falas e jeitos que certamente não seriam de épocas como aquelas, acabamos por ser envolvidos pelo espírito da coisa.

Apesar da figura de menino bonito de Brad Pitt, que o é, enquadra-se perfeitamente na figura de Aquiles.
Para as Senhoras este será um filme carregado de belas “peitaças” e homens “desnudados”; para os Machos (men) esta será uma overdose de testosterona!
Para mim é um filme historicamente interessante e tecnologicamente bem feito!
Será na sua essência uma luta entre honra, justiça e amor, contra ambição, orgulho e ódio.
Papeis representados por Tróia e Grécia, respectivamente.
Esta situação é explorada e personalizada no papel de Heitor: homem justo, que luta pela honra e amor ao seus; e Aquiles: homem carregado de orgulho e ambição desmedida, cheio de ódio pela autoridade real, fazendo prevalecer só a sua vontade com objectivo de tornar o seu nome imortal.
Ambos exímios guerreiros serão o âmago deste conflito, culminando a mensagem do filme com a crença de muitos povos em que o guerreiro que mata o outro adquire o seu espírito, será aqui que a mudança de um alterará o desfecho da história e revelará o calcanhar de Aquiles

Vale a pena ver!

sexta-feira, novembro 12, 2004

SOBRE A TERRA


Sei que estou vivo e cresço sobre a terra.
Não porque tenha mais poder,
nem mais saber, nem mais haver.
Como lábio que suplica outro lábio,
como pequena e branca chama
de silêncio,
como sopro obscuro do primeiro crepúsculo,
sei que estou vivo, vivo
sobre o teu peito, sobre os teus flancos,
e cresço para ti.




EUGÉNIO DE ANDRADE
in O Outro Nome da Terra

segunda-feira, novembro 08, 2004

Espero

Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.


Sophia de Mello Breyner Andresen

ILHA

Deitada és uma ilha E raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente

promontórios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planície adolescente

deitada és uma ilha Que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro

ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias


David Mourão-Ferreira
in MATURA IDADE
[1966-1972]

quarta-feira, novembro 03, 2004

Plano

Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor
que se despeja no copo da vida, até meio, como se
o pudéssemos beber de um trago. No fundo,
como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na
boca. Pergunto onde está a transparência do
vidro, a pureza do líquido inicial, a energia
de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta
são estes cacos que nos cortam as mãos, a mesa
da alma suja de restos, palavras espalhadas
num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira
hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,
esperando que o tempo encha o copo até cima,
para que o possa erguer à luz do teu corpo
e veja, através dele, o teu rosto inteiro.

Nuno Júdice

segunda-feira, novembro 01, 2004

5.

À deriva
no mar da noite
este pequeno sentimento de culpa
de amor e culpa
que traz em si insónia
e saudade do tempo.

À deriva
este pequeno assunto
à espera de cair na rede da memória
à espera de surgir
à tona da maré.

À deriva
este sorriso
que não sei de quem é
que vem flutua assoma
com raizes de líquen
bafo de alga
de alguém que nunca vi

Ou talvez visse me olhasse e me sorrisse
e já esqueci.

Rosa lobato de Faria
in Poemas Escolhidos e Dispersos