domingo, dezembro 19, 2004

Pele

Quem foi que à tua pele conferiu esse papel

de mais que a tua pele ser pele da minha pele

Copyright ©David Mourão-Ferreira

quarta-feira, dezembro 08, 2004

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL


Na janela mais alta de Lisboa,
és a ave chamada Todavia:
a que posta no chão não se desvia
mas que perto do rio já não voa...

Hei-de ensinar-te, devagar, (perdoa!),
a pressa com que Amor se pronuncia
e a conjugares a noite com o dia
quando o corpo do corpo se condoa...

fecha os olhos, e voa! Mas não queiras
ao inferno do céu traçar fronteiras
nem ao céu do inferno pôr limites:

voar só vale a pena enquanto for
uma forma de amar além do amor,
furor que todavia não habites...

David Mourão-Ferreira

quarta-feira, dezembro 01, 2004

Através da Chuva e da Névoa

Chovia e vi-te entrar no mar
longe de aqui há muito tempo já
ó meu amor o teu olhar
o meu olhar o teu amor
Mais tarde olhei-te e nem te conhecia
Agora aqui relembro e pergunto:
Qual é a realidade de tudo isto?
Afinal onde é que as coisas continuam
e como continuam se é que continuam?
Apenas deixarei atrás de mim tubos de comprimidos
a casa povoada o nome no registo
uma menção no livro das primeiras letras?
Chovia e vi-te entrar no mar
ó meu amor o teu olhar
o meu olhar o teu amor
Que importa que algures continues?
Tudo morreu: tu eu esse tempo esse lugar
Que posso eu fazer por tudo isso agora?
Talvez dizer apenas
chovia e vi-te entrar no mar
E aceitar a irremediável morte para tudo e todos

Ruy Belo in “Todos os Poemas I”

segunda-feira, novembro 29, 2004

Cúmplices

A noite vem às vezes tão perdida
e quase nada parece bater certo
há qualquer coisa em nos inquieta e ferida
e tudo que era fundo fica perto

nem sempre o chão da alma é seguro
nem sempre o tempo cura qualquer dor
e o sabor a fim da mar que vem do escuro
é tantas vezes o que resta do calor

se fosse a tua pela
se tu fosses o meu caminho
se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho

trocamos as palavras mais escondidas
e só a noite arranca sem doer
seremos cúmplices o resto da vida
ou talvez só até amanhecer

fica tão fácil entregar a alma
a quem nos traga um sopro do deserto
olhar onde a distância nunca acalma
esperando o que vier de peito aberto

se fosse a tua pela
se tu fosses o meu caminho
se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho

roubado daqui

terça-feira, novembro 23, 2004

Verde Nuclear

Polémica internacional sobre as vantagens ecológicas da energia atómica

Um novo debate cientifico volta a lançar a questão das centrais atómicas. Muitos especialistas defendem a energia nuclear como sendo a alternativa mais segura, eficaz e ecológica para satisfazer as necessidades de electricidade e evitar o aquecimento global da atmosfera.

in “Super Interessante”

THE MANCHURIAN CANDIDATE

Há duas ou três semanas, fui ver o filme a que os portugueses - com autoridade na matéria - deram o título O CANDIDATO NATURAL. Nunca percebi bem o critério destas traduções, quem decide o quê, quem acha porque sim e porque também. Frequentemente sou tentada a pensar que se muda o título por um mais atractivo, que "por estar mais próximo de nós" possa contribuir para engrossar o volume de venda de bilhetes. Outras, nem isso penso.
The leading actors - Merryl Streep e Denzel Washington - são o garante do cartaz, assim como outros actores, em papeis secundários, mas com excelentes interpretações.
O plot, dá que pensar. É controverso. Mostra-nos realidades a anos-luz da nossa realidade de cidadãos comuns. E deixa-nos receios, dúvidas e interrogações.

segunda-feira, novembro 15, 2004

A Vedação

Trata a história de uma grande caminhada. O caminho para a liberdade, percorrido com a força do espírito contra todas as adversidades.
Filme muito bem realizado, baseado numa história verídica, com pormenores que transportam o espectador para dentro do filme.
Todo o conjunto de sensações visuais são completadas, de uma forma genial, com uma banda sonora composta por Peter Gabriel.

Quantos de nós não estão a par do que se passa ou passou, em certas partes do mundo, só porque nunca ninguém “falou” sobre isso?
É o caso deste filme. O argumento retrata a realidade vivida pelo povo Aborígene na Austrália dos anos 30. Situação semelhante ao que aconteceu um pouco por todas terras onde o Branco pisou, a subjugação dos Povos Nativos, consequente destruição e perda de identidade, sempre com a desculpa de que só querem ajudar!!!

A história do filme começa com as consequências de uma lei, emitida pelo Branco, onde qualquer criança que não fosse de raça pura, chamadas Mestiças, poderiam ser retiradas de suas casas e levadas para colónias onde eram treinadas para todo o tipo de trabalhos de servidão. (aos Brancos como é óbvio!!)

Qual a justificação?
Simples: evitar a proliferação de uma terceira raça!!!
Argumento: defender os nativos contra eles próprios!!

Não mencionado mas implícito, qual o motivo que leva a que surjam crianças Mestiças?
Simples: com a chegada e domínio do Branco, realocação de tribos em reservas, o bom do Branco, entre muitas outras atrocidades, começa a saciar as suas bestiais necessidades nas mulheres Nativas.
Consequência: destruição da raça, orgulho e cultura ancestrais!
Argumento: salvá-los deles próprios!!!

Mas o que é que isto tem a ver com caminhadas? Perguntam vocês.
O filme baseia-se na fuga de três crianças Mestiças de uma das colónias, empreendendo uma caminhada de 2400 kilómetros.
Uma aventura pela liberdade para voltarem para casa.

Todas essas crianças foram chamadas de Gerações Roubadas (Stolen Generations).

Só isso? Bem pelo contrário!!
Vejam o filme!!!!

sábado, novembro 13, 2004

TROY

Para quem gosta do género será um bom filme.

Em jeito e dimensão de épico, Wolfgang tenta uma abordagem da “Ilíada” de Homero.
Historiadores cheguem-se à frente para julgar os factos, pois essa função não me compete.
É um filme bom de ver e intenso, na minha opinião melhor que outros do género, como p.e. “O Gladiador”, no qual o factor “herói americano” impregna todo o argumento! Neste as “americanisses” ficaram de fora!

Tecnicamente é um bom filme! Utiliza o melhor dos nossos dias em técnicas de efeitos especiais, criando um ambiente bastante real, o qual nos faz entrar na história e esquecer o resto.
Esquecendo falas e jeitos que certamente não seriam de épocas como aquelas, acabamos por ser envolvidos pelo espírito da coisa.

Apesar da figura de menino bonito de Brad Pitt, que o é, enquadra-se perfeitamente na figura de Aquiles.
Para as Senhoras este será um filme carregado de belas “peitaças” e homens “desnudados”; para os Machos (men) esta será uma overdose de testosterona!
Para mim é um filme historicamente interessante e tecnologicamente bem feito!
Será na sua essência uma luta entre honra, justiça e amor, contra ambição, orgulho e ódio.
Papeis representados por Tróia e Grécia, respectivamente.
Esta situação é explorada e personalizada no papel de Heitor: homem justo, que luta pela honra e amor ao seus; e Aquiles: homem carregado de orgulho e ambição desmedida, cheio de ódio pela autoridade real, fazendo prevalecer só a sua vontade com objectivo de tornar o seu nome imortal.
Ambos exímios guerreiros serão o âmago deste conflito, culminando a mensagem do filme com a crença de muitos povos em que o guerreiro que mata o outro adquire o seu espírito, será aqui que a mudança de um alterará o desfecho da história e revelará o calcanhar de Aquiles

Vale a pena ver!

sexta-feira, novembro 12, 2004

SOBRE A TERRA


Sei que estou vivo e cresço sobre a terra.
Não porque tenha mais poder,
nem mais saber, nem mais haver.
Como lábio que suplica outro lábio,
como pequena e branca chama
de silêncio,
como sopro obscuro do primeiro crepúsculo,
sei que estou vivo, vivo
sobre o teu peito, sobre os teus flancos,
e cresço para ti.




EUGÉNIO DE ANDRADE
in O Outro Nome da Terra

segunda-feira, novembro 08, 2004

Espero

Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.


Sophia de Mello Breyner Andresen

ILHA

Deitada és uma ilha E raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente

promontórios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planície adolescente

deitada és uma ilha Que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro

ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias


David Mourão-Ferreira
in MATURA IDADE
[1966-1972]

quarta-feira, novembro 03, 2004

Plano

Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor
que se despeja no copo da vida, até meio, como se
o pudéssemos beber de um trago. No fundo,
como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na
boca. Pergunto onde está a transparência do
vidro, a pureza do líquido inicial, a energia
de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta
são estes cacos que nos cortam as mãos, a mesa
da alma suja de restos, palavras espalhadas
num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira
hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,
esperando que o tempo encha o copo até cima,
para que o possa erguer à luz do teu corpo
e veja, através dele, o teu rosto inteiro.

Nuno Júdice

segunda-feira, novembro 01, 2004

5.

À deriva
no mar da noite
este pequeno sentimento de culpa
de amor e culpa
que traz em si insónia
e saudade do tempo.

À deriva
este pequeno assunto
à espera de cair na rede da memória
à espera de surgir
à tona da maré.

À deriva
este sorriso
que não sei de quem é
que vem flutua assoma
com raizes de líquen
bafo de alga
de alguém que nunca vi

Ou talvez visse me olhasse e me sorrisse
e já esqueci.

Rosa lobato de Faria
in Poemas Escolhidos e Dispersos

domingo, outubro 31, 2004

SOTTO VOCE

É possível que eu esqueça a liquidez da lua
o sono dessa rua às três da madrugada
a longa caminhada orquestrada pela chuva
a sombra de uma luva em cima de uma vaga

É possível que eu esqueça o dia em que nasceste
Em que depois da luva apareceram as mãos
É possível que eu esqueça Ou me seja indiferente

É possível que sim É preciso que não

David Mourão-Ferreira
in Do Tempo ao Coração [1962-1966]

quinta-feira, outubro 28, 2004

Liberdade

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade

in Mar
Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, outubro 24, 2004

PAULA REGO


The Punishment Room, 1969. Mixed media on canvas, 120 x 120 cms

quinta-feira, outubro 21, 2004

Paula Rêgo - Fundação Serralves

Exposição da pintora Paula Rêgo na Fundação Serralves
de 15 de Outubro de 2004 a 23 de Janeiro de 2005

"A exposição apresentará uma selecção da obra de Paula Rego produzida a partir de 1996, incidindo particularmente na relação entre a sua pintura e o desenho, assim como na construção de situações ficcionais singulares e idiossincráticas. A artista apresentará pela primeira vez os desenhos preparatórios das suas pinturas, realizando ainda uma nova série de trabalhos, especificamente pensados para esta exposição, a partir de um tema onde surja como referência a cidade do Porto. A exposição terá início no Museu de Serralves, encontrando-se em estudo a sua itinerância por Espanha, França e Itália, sabendo-se já do interesse da Colecção Saatchi em poder ser a entidade co-produtora onde a exposição terá a sua última itinerância. "
www.serralves.pt

domingo, outubro 17, 2004

Lost In Translation – O Amor é um lugar estranho

Um filme sincero e bastante real.
Temperado qb com o humor característico de Bill Murray.
Uma visão fantástica e simultaneamente crítica da sociedade japonesa em Tóquio, serve de pano de fundo a momentos vividos pelos dois personagens principais ao enfrentarem a realidade das suas vidas num país longe do seu e perfeitamente díspar.


Para todos aqueles que estão perdidos ou desorientados.
Não hesitem!
O que estão à espera!

domingo, outubro 10, 2004

O Pêndulo de Foucault – Umberto Eco

Tendo por base a vida de três redactores editoriais, este livro gira à volta de temas herméticos.
A descoberta de uma mensagem e a leitura de diversos manuscritos sobre Templários, Rosas-Cruzes, outras sociedades secretas e temas relacionados, vai levá-los e empreender uma tarefa deveras ambiciosa: a construção de um Plano, no qual vão interceptar e relacionar diversos temas e acontecimentos remontando a séculos atrás, fazendo analogias até os dias de hoje com o objectivo de revelar uma Conspiração a nível mundial.
Tudo isto é temperado com a história de cada um dos três personagens, envolvida num contexto político e social, em particular na Itália dos anos 40, 60 e 70, e em geral do resto do mundo.

Para um leigo como eu, estas foram 555 páginas sofridas.
A escrita de Umberto Eco (quem o conhece talvez me dê uma ideia diferente) não é fácil. Ela própria bastante hermética! Claro que o facto de ser doutorado em filosofia tem uma grande influência.
Mas a edição, que agora descansa na minha estante, é que faz com que o caminho seja penoso! Umberto faz um grande trabalho de investigação, fundamentando cada capítulo (estamos a falar de120!!) com um excerto retirado de determinada obra. O problema é que são escritos em latim, francês, italiano, alemão, etc, e o tradutor da obra não os traduziu!! Isto também acontece ao longo do texto em diversas passagens e diálogos!!
Além disto não há nenhuma nota de tradutor para os termos específicos!
Não recomendo! Talvez o volte a ler daqui a uns anitos!

terça-feira, outubro 05, 2004

A ARTE DA ESCRITA

"A ditadura produziu dirigentes políticos de melhor qualidade que a democracia."Guerra, João, Diário Económico, em 20041004

"A democracia não é um sistema perfeito mas, até à data, ainda não se descobriu nada melhor."

Já não sei quem disse mas eu também digo! de Magalhães, Isabel, Blogoesfera, em 20041005.

Inocente ou Culpado?

Apesar de saber que este é um filme que depois de ser visto a primeira vez o véu se levanta e revela a verdade, adquiri uma versão em DVD que saiu com um jornal diário recentemente e voltei a vê-lo.

Este é um filme que recomendo. Sobre causas, tem como pano de fundo a questão da pena de morte.
É a história de David Gale (Kevin Spacey, brilhante mais uma vez), professor de filosofia e activista de um movimento contra a pena de morte, que é condenado à morte pelos crimes de violação e homicídio. Mas esta é só a linha principal..... o enredo é mais complexo e a teia desenvolve-se à nossa volta.

Muito bem realizado, foca temas importantes como a força que precisamos para enfrentar a adversidade da vida, o direito de morrer, e a fiabilidade do sistema judicial quando aplica a pena de morte.

São garantidos momentos intensos, que no decorrer do filme questionam as nossas convicções.
No final é deixado espaço para o espectador tirar as suas conclusões.

A não deixar de ver já que é um filme que nos faz pensar sobre temas que ultimamente estão em último plano e que não nos preocupam particularmente enquanto portugueses.

sábado, outubro 02, 2004

Paixão de Cristo

Porque não começar por um dos filmes mais polémicos da actualidade.

Vejo este filme como algo que vai muito além de questões religiosas.
É um tratado sobre a Natureza Humana!
Que por acaso tem como pano de fundo as últimas horas de alguém chamado Jesus de Nazaré.

Abana-nos e acorda-nos para a realidade do que somos e nos transformámos.
Mostra um homem que, como o comum dos mortais, sente medo e dor.
Não apresenta um determinado povo como “vilão”, bem pelo contrário foca a atenção na natureza maléfica de algumas pessoas enquanto elementos da raça humana. Alguns maquiavélicos por questões políticas, outros por puro prazer e muitos outros por pura ignorância e estupidez.

A violência de que tanta gente se queixa tem mesmo de existir! Sem ela a mensagem do filme não fazia sentido.
Pensemos um pouco: Naquelas épocas tão conturbadas se existiam torturas, castigos, punições, etc, seria, com toda a certeza, bem pior do que aquilo que o filme apresenta!
Uma coisa é certa: Não seria como os filmes anteriores sobre o tema, especialmente com um homem de olhos azuis, com o cabelo e a barba bem cuidados e roupas de designer! Essa é a realidade que queremos ver!

A atenção deve ser dirigida, não para as feridas que os golpes infligem, mas sim para a expressão de quem os leva a cabo e para os motivos que os originaram.

Sinceramente, a religião é mais um instrumento de “tortura” e controlo! Este filme serve essencialmente para mostrar aquilo que um ser humano é capaz de fazer e a maldade que existe por aí!
A polémica surge porque não queremos admitir o que fizemos ao longo dos tempos (a maior parte a história omitiu!) e aquilo que somos capazes de fazer!!
Não é preciso ler um compêndio de história, ou ver um filme sobre o tema, basta olhar para a realidade actual. O que move as pessoas actualmente... Crimes grotescos que ocorrem a cada minuto... A espiral de desgraças que assolam o mundo...

A Fé não se pode quantificar pelo número de vezes que vamos a determinada igreja, ou pelo aquilo em que acreditamos! Tem de ser algo incondicional; algo que se sente; algo que faz parte de nós em cada momento; algo que tem pouco a ver com o Homem mas sim com a natureza da sua bondade e compaixão...